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Crescer em um mundo de paz

 

César Barros Leal

Por Lorena Mesquita

Procurador geral do Estado, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, UFC, tradutor público, autor de dezenas livros e presidente da Creche Amadeu Barros Leal.

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Cesar Barros Leal, 66, é um cearense que conquistou muito respeito no universo acadêmico e jurídico. São muitas ocupações e compromissos na agenda, mas, mesmo assim, ele me recebeu com grande satisfação. Para tornar essa reportagem possível, marcamos a entrevista em dois momentos: o primeiro, na Procuradoria Geral do Estado do Ceará, que fica no bairro Edson Queiroz. No segundo encontro, ele me recebeu na creche que leva o nome de seu pai, Amadeu Barros Leal, que fica no bairro Jacareacanga e atende a crianças filhas de presidiárias.

Já no primeiro dia, consegui desvendar o motivo que levou a César ter dedicado sua vida a projetos ligados ao direito penal. Quando era professor das disciplinas "Direito do menor" e "Direito penitenciário", ele  visitava, na companhia de seus alunos, diversas instituições que atuavam na área de assistência ao adolescente em conflito com a lei e suas famílias.

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Foi exatamente neste momento, há 23 anos, que o homem comovido com as complexidades da vida  resolveu fundar uma creche sem fins lucrativos, destinada à filhos de presidiárias, pois ao lado da creche existia o presídio Instituto Penal Feminino Auri Costa Moura, que hoje já não fica mais no bairro e sim em Itaitinga. "Com isso consegui dar a minha contribuição para reduzir os índices de marginalização social, contribuindo também para que um grande número de crianças tivesse através da assistência que a creche oferecer, pudessem ter uma atenção adequada", analisa.

A creche seria a primeira e única creche não institucional dedicada à filhos de mulheres encarceradas no país, um passo relevante para o sistema e para a vida dessas crianças. "Vi o modelo da creche em uma viagem que fiz à Havana, em Cuba e simplesmente quis construir a creche assim", revelou.

Ao criar uma creche para filhos de presos, eu consegui reunir os dois universos

César fala da creche como um tesouro, um tesouro cheio de lições de vida. Com tanto tempo assim, é possível parar para pensar quantas vidas hoje, adultas a causa do procurador conseguiu salvar e traçar novos caminhos. "Eu tenho certeza que contribuí de alguma forma para a vida destas crianças, algumas hoje já com outras famílias".

Mas a causa não para por aí. Além das crianças, a creche atende às famílias com cursos e palestras e até recebe, em um convênio com a Secretaria da Justiça do Estado do Ceará, presas em regime semiaberto, que ajudam nas atividades gerais da creche. "Recebemos também diversos alunos de instituições de ensino que fazem estágio supervisionado".

No segundo dia, fui conhecer a creche. Após me perder, mesmo com ajuda do GPS, em uma rua estreita, encontrei o lugar, que fica ao lado do anexo IV da Faculdade Metropolitana - FAMETRO. Fui recebida com uma singela homenagem logo na entrada: "Lorena, seja bem-vinda", em um cartaz.

César, pediu para que eu acompanhasse a coordenadora para ver as instalações da creche. Conheci tudo: as salas de apoio a presas, o local onde acontece palestras e reuniões, salas das turmas infantis de zero a quatro anos, a cantina. Fui apresentada às professoras, às presas que trabalham e às crianças. Ver de perto como um trabalho desse transforma vidas é incrível.

 

Espero que a Creche Amadeu Barros Leal continue esse trabalho lindo e que César Barros Leal nunca desista deste projeto, que me tocou profundamente. "É um trabalho hercúleo, é um trabalho de solidariedade, de amor e de paz. Eu e minha equipe nos empenhamos totalmente pela absoluta certeza de que a assistência que nós damos as nossas crianças, terá uma repercussão no futuro delas. As crianças são uma família para nós", conclui.

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Entrevista

Lorena: Como foi que surgiu a ideia de criar uma creche?

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Na verdade eu era professor da faculdade de direito da UFC e professor da UNIFOR, nessas duas universidades eu ensinava a disciplina "Direito do menor" e "Direito penitenciário". Ao criar uma creche para filhos de presos, eu consegui reunir os dois universos: criei uma creche que atende a criança e que particularmente atende a população prisional. Era um sonho que eu tinha, e com isso consegui dar a minha contribuição para reduzir os índices de marginalização social, contribuindo também para que um grande número de crianças tivesse através da assistência que a creche oferecer, pudessem ter uma atenção adequada.

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Lorena: Quais as atividades qoferecidas pela creche?

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A creche atende a criança de zero a quatro anos. Em sua grande parte, filhos de presidiários. Essas crianças tem quatro, cinco refeições por dia. Tem atividades lúdicas, não é uma creche em que se ministra a alfabetização, porque não é a idade. Essas crianças tem então uma série de atividades, que são promovidas pelas professoras. As professoras sempre tem que ser necessariamente formadas em pedagogia, ou pelo menos estar cursando pedagogia.

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Lorena: Como você consegue conciliar esses mundos paralelos em que se é procurador e ao mesmo tempo, presidente de uma creche?

 

Eu exerço uma série de atividades, coordenar a creche é mais uma dessas. Nós temos uma coordenadora, temos um equipe muito boa de profissionais de educadores e isso me tranquiliza. Eu vou a creche duas, três, quatro vezes por semana, mas estou a toda hora antenado, preocupado com as atividades da instituição, buscar recursos pra instituição, e garantir que o seu funcionamento corra da melhor forma.

Fundação da Creche Amadeu Barros Leal

(Foto: arquivo pessoal)

Crianças da creche dormindo

(Foto: arquivo pessoal)

Lorena: Como é a rotina de César Barros Leal, quando você precisa conciliar seu tempo e dividí-lo entre creche e procuradoria?

 

Geralmente eu vou para a creche pela manhã, fico lá até 10h da manhã, sempre procurando conciliar fazendo com que isso nao afete minha atividade como procurador do estado. Mas como procurador do estado eu fico bem a vontade, porque eu tenho a obrigação de cumprir apenas um expediente.

 

Lorena: Você disse que a maioria das crianças que estão lá sao filha de presidiárias, não é?

 Sim, o certo é que a creche foi fundada há 23 anos e no primeiro momento ela atende exclusivamente filhos de presos. Nós tinhamos um presídio feminino ao lado. Era uma população muito pequena de crianças assistida, que inclusive ali dormiam na creche. A creche também é uma espécie de abrigo. Com a saída do presídio feminino, ele se deslocou para Itaitinga, nós resolvamos ampliar a assistência para as crianças que vivem no entorno, então de 28 crianças passou para 40, e por aí vai. Hoje nós temos 140 crianças, com uma previsão de aumentar logo em breve para 160 crianças.

 

Lorena: Como você vê que a sua creche está ajudando na construção da paz para as crianças e suas respectivas famílias?

 Eu tenho plena consciência do trabalho de inclusão social que nós realizamos na creche. Imagina, há 23 anos quantas crianças já passaram por lá? Hoje sao adultos. É um trabalho hercúleo, é um trabalho de solidariedade, de amor e de paz. Eu e minha equipe nos empenhamos totalmente pela absoluta certeza de que a assistência que nós damos as nossas crianças, terá uma repercussão no futuro delas. Há também um dado importante que deve ser ressaltado, nós buscamos sempre apoiar os pais. inclusive, de vez em quando realizamos cursos especificos para os pais das crianças. Realizamos uma série de atividades de direito humanos. As crianças são uma família para nós.

César Barros Leal e as crianças da creche

(Foto: arquivo pessoal)

Há 23 anos quantas crianças já passaram por lá? Hoje são adultos. É um trabalho hercúleo, é um trabalho de solidariedade, de amor e de paz

César Barros Leal 

(Foto: arquivo pessoal)

César Barros Leal e as crianças da creche

(Foto: arquivo pessoal)

Quem Somos

Lorena Mesquita, 22, cursando Comunicação Social  com habilitação em Jornalismo. Sou tipo sonhadora, daquelas que, desde criança, adorava brincar de ser réporter no quintal de casa. Gosto de projetos sociais e, se sair alguma pauta boa sobre o assunto, já penso logo em escrever.Confesso que tenho um estilo particular e adoro escrever textão.

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